sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Somente eu e meu vinho branco

Somente eu e meu vinho branco. Um cigarro inacabado e apagado na ponta da mesa. Não sou fumante, mas por hoje decidi ser. A janela cantava um vento uivante que encaixava a trilha sonora perfeita para, o somente meu momento melancólico. Então me encontro apoiada sobre a bancada com o espelho e no espelho encaro as fotos. Lá do fundo percebo uma presença, uma sombra, um fantasma assustador que de carne e osso me faz tremer de ponta a cabeça. Ele caminha em minha direção bem lentamente, quase no ritmo de Henri Salvador que toca uma bossa francesa na antiga vitrola que minha mãe me presenteou no natal passado. Meus olhos arregalados me exibem como se eu vestisse apenas uma calcinha de fio. Encaro através do espelho aquele andar, aquele olhar, e levemente sinto o seu calor denso chegar perto do meu. Quando percebo que estou prendendo a respiração, fecho meus olhos e puxo o ar com força para lembrar que estou viva. Mal noto e ele já está ali, atrás de mim, colando o seu corpo no meu. Meus olhos não saem do espelho e então sinto seu nariz afundar dentro do meu cabelo, assisto-o fechar os olhos e inspirar profundamente. Estou presa por ele que me pressiona contra a mesa e quase posso sentir o seu medo da minha fuga repentina e previsível. Só que não, desta vez meu corpo ficou imóvel, ali observando as carícias que eram me dadas de bom grado. Meu coração disparado me faz esquecer o vocabulário, então ele me abraça com força me dificultando a respiração, me dificultando o movimento. Seus beijos molhados dessem meu pescoço com delicadeza e mais uma vez, ele volta ao meu cabelo só que dessa vez enrolando alguns cachos no seu dedo, mais uma vez inspirando com o rosto mergulhado no meu cabelo. Finalmente uma palavra sai da sua boca:
- Ah esse seu cheiro.
Eu não pisco, mal vejo, não falo, apenas sinto. Seus dedos delineiam meu ombro e desenham o formato do meu braço, onde finalmente suas mãos encontram as minhas e percebo que estou praticamente deitada na bancada. Olho bem fundo nos olhos dele através do espelho, uma ira consome meu corpo e numa contração incontrolável meu corpo empurra o dele que quase cai sobre o tapete. Vou a sua direção como um touro em fúria e minha voz rouca quase grita:
- Por onde andou? Você sabe o que me fez? Sabe o quanto sofri? Sabe o quanto me perdi? E agora você aparece desse jeito, com a mesma blusa, com esse maldito jeito.
E mais uma vez, com seus olhos ardilosos me devorando, ele caminha a minha direção que agora recua de pavor, de paixão, de ódio, de tensão, um mix de sensações.
Suas mãos chegam até minha nuca e então ele me pressiona contra a bancada, só que dessa vez estamos um de frente para o outro, beijando os cantos do meu queixo, arrastando os lábios pela a maça do meu rosto e finalmente a sua respiração está de frente para a minha. Estou mais uma vez prendendo a respiração e ele está ali bufando em mim com seu hálito de Bourbon inebriante, pronto para me atacar como um felino a espreita da sua presa. Num estalo do momento, como se ele estivesse faminto, ele me consome com um beijo molhado, cheio de paixão e desejo, cheio de raiva e amor, e eu me entrego.

Estou deitada no maldito tapete branco e macio. Estou exausta, ainda atordoada com a claridade que invade pela janela escancarada. Ouço na vitrola um som estranho e lembro que a esqueci ligada. Droga! Onde ele está?
Não! Não pode ser! Ele não pode ter ido de novo. É, ele se foi. Só que dessa vez, me deixou uma carta.

"Minha fortaleza,
Preciso escrever para me despedir do meu sonho, precisava me despedir de você. Estou indo embora, mas dessa vez, não voltarei. Me assusta envelhecer porque tenho tantos desejos e meu tempo é curto demais para realizar tudo aquilo que quero. Meu amor, comprei um barco e vou embora com ele para o longo mar que me espera. Como diz sua mãe, nasci da vida e agora nenhum lugar me sacia a fome da vida. Eu queria me desculpar pelo meu egoísmo, pela meu amor, por ter te envolvido a mim, mas não me desculpo, porque você foi o único motivo que me fez querer ficar. Sou covarde sim e sou um homem falho acima de tudo. Sei que vai me odiar para sempre, mas você vai encontrar aquele que te faça dormir nos braços e você não precisará se preocupar porque você vai acordar e ele estará lá ao seu lado. Eu, um dia, vou voltar quando perceber que minha vida se esvaziou porque sem amor meu peito se transforma em pedra, minha busca se torna um caminho sem rota. Por favor, te peço o meu último favor, quando eu voltar, me ame, me ame dizendo que está feliz, que está amando e se deitando com um amante melhor que eu. Me faça me sentir um miserável, um merda! Assim, quem sabe, eu pare em algum lugar parar apreciar a dor de ter perdido a mulher que fazia dos meus dias, os dias mais felizes da minha vida. Me perdoe. Morrerei com tua foto em meu bolso, com o anel que me deu, aquele sem o brilhante. Vou olhar para esse anel e lembrar o formato do teu dedo. Vou me recordar das tuas mãos, dos teus pelos, das minhas pontas favoritas. Me perdoe meu amor, queria não precisar fazer o que vou fazer. Lembre-se, como a primeira música que dançamos, Tu sais que je t'aime toute ma vie"

Sem depois

Por favor homem dúbio
Não me leve ao distúrbio
meu amor foi carregado pelo rio Caudaloso
e você se prendeu em um galho ruinoso

O que faria de mim se não fossem as pedras raras
que mesmo quietas passam por mim de ligeiro
para que fui entusiasmar-me com palavras caras
já que rapinou meu coração aventureiro


preciso dormir um pouco para ocultar essas marcas
escoar a face abaixo de ilusões salgadas
que ao invés de aplacar a solidão
não me pareceu ter repercussão


Durma pequeno anjo nos braços de uma nuvem
lembranças são partes de ti que não viverei sem
Quero ver o branco dos seus dentes precisos
mesmo que seja ao lado de outros sorrisos


Viva bem... Alegremente sonhador, pois
ja encarei o fato de que
o depois não vingará para nós dois